Na apresentação de "Pé na Cova", série de humor
que a Globo exibe a partir do próximo dia 24, o autor Miguel Falabella foi bem
didático ao explicar por que, apesar de haver um casal de mulheres entre os
protagonistas, o público não corre risco algum de ver um beijo entre elas. "Não vai ter beijo, a
relação delas é muito light. A gente ainda está com uma pena na cabeça e um
tacape na mão. É um milagre que a gente tenha computador neste país. Aeroporto
nós não temos, o Galeão é uma favela, uma vergonha. Então você acha que vai ter
beijo em um país onde as pessoas não sabem ler? Ninguém lê nada, ninguém sabe
de nada", disse ao repórter Renato Damião, do UOL. Com esta declaração singela,
Falabella junta-se a um time de autores que, há anos, vem culpando o público
pelo que ele deixa de assistir na TV. Ao explicar por que não tem a
intenção de mostrar um beijo entre dois personagens do mesmo sexo em qualquer
novela sua, Aguinaldo Silva disse uma vez: "Há telespectador da Globo que
nem sabe que homossexualismo existe".
Já Gilberto Braga, falando
sobre as críticas ao anódino casal gay da novela "Paraíso Tropical"
(2007), observou: "Quem reclamou foi a classe, não o espectador. Imagina
se o espectador ia querer ver o casal em cenas de intimidade".
Em 2011, como a Folha noticiou
na ocasião, a Globo esclareceu que a decisão sobre o assunto é dela.
"Nossas telenovelas não são obras de terceiros. Pertencem à TV Globo, que
contrata autores para escrever as suas histórias, com o desafio de levar ao ar
a todos os brasileiros. Logo, não se pode falar em censura porque o texto é
nosso." Respondendo a uma reclamação
de uma associação de militantes homossexuais sobre a diminuição do destaque
dado a uma trama entre dois personagens masculinos na novela "Insensato
Coração", a emissora disse: "Nossas tramas registram a afetividade e
o preconceito, mas não cabe exaltação".
E, por fim, evocou o público:
"A livre sensibilidade artística é a única medida possível para delinear a
ousadia criativa, o que vale para toda e qualquer situação ou tema. Esse
desafio torna-se ainda mais difícil quando se trata de respeitar uma audiência
não-segmentada, múltipla em suas expectativas e preferências."
Assunto igualmente incômodo na
Record, o beijo gay apareceu recentemente em uma situação mais difícil de ser
controlada do que em novela: num reality show. Como lidar com a troca de afetos
de um casal do mesmo sexo dentro de um programa cujo maior atrativo é exibir a
"realidade"?
O público que assiste
"Fazenda de Verão" pelo site da emissora, onde o reality é exibido 24
horas por dia, logo percebeu que a relação entre as candidatas Angelis e
Manoella envolvia beijos, abraços, carinho e algo mais sob o edredom. O mesmo privilégio não teve
quem acompanha o programa apenas pela TV, exibido por uma hora, no final da
noite. Nessa versão editada, a Record tem mostrado quase nada, deixando o
espectador mais distraído com a impressão de que as duas são apenas boas
amigas. A emissora nega estar
censurando o casal, mas, pelo pouco que mostrou até agora, também deve achar
que o público está ainda com tacape na mão. A baixa audiência do programa
mostra, no caso, que o espectador segue é com o controle remoto na mão.
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